sexta-feira, 10 de junho de 2011

Contando mais um pouco da Umbanda

Sabemos que a primeira entidade a se manifestar no médium Zélio Fernandino de Moraes foi o Caboclo das Sete Encruzilhadas e agora vamos contar como foi a manifestação do Preto Velho no mesmo médium.
    
     Quando Ronaldo Linares efetuou os primeiros contatos com Zélio de Moraes, indagou sobre a origem do ritual umbandista, e ele fez os seguintes esclarecimentos: o rito nasceu naturalmente, como conseqüência, principalmente, da presença do índio e do elemento negro, não tanto pela presença física do negro, mas sim pela presença do Preto-Velho incorporado, e, para ser mais preciso, no mesmo dia da primeira sessão, em 16 de novembro de 1908, Zélio incorporou Pai Antônio pela primeira vez. O Caboclo das Sete Encruzilhadas havia avisado que subiria para dar passagem a outra entidade que desejava se manifestar.
     Assim, manifestou-se no corpo de Zélio de Moraes o espírito do velho ex-escravo, que parecia se sentir pouco à vontade diante de tanta gente e que, recusando-se a permanecer na mesa onde ocorrera a incorporação, procurava passar despercebido, humilde, curvado, o que dava ao jovem Zélio um aspecto estranho, quase irreal. Essa entidade parecia tão pouco à vontade que logo despertou um profundo sentimento de compaixão e de solidariedade entre os presentes. Perguntado então por que não se sentava à mesa com os demais irmãos encarnados, respondeu: Nego num senta não, meu sinhô, nego fica aqui mesmo. Isso é coisa de sinhô branco i nego deve arrespeitá...
     Era a primeira manifestação desse espírito iluminado, mas a morte que não retoca seu escolhido, mudando-o para o bem ou para o mal, não havia afastado desse injustiçado o medo que ele tantas vezes havia sentido ante à prepotência do branco escravagista e, ante a insistência dos seus interlocutores, disse: Num carece preocupá não, nego fica no toco que é lugá di nego... Procurava, assim, demonstrar que se contentava em ocupar um lugar mais singelo, para não melindrar nenhum dos presentes.
     Indagado sobre o seu nome, disse que era “Tonho”, um preto escravo que, na senzala, era chamado de Pai Antônio. Surgiu, assim, a forma de chamar os Pretos –Velhos de Pai.
     Perguntado sobre como havia sido a sua morte, disse que havia ido à mata apanhar lenha, sentiu alguma coisa estranha, sentou-se e de nada mais se lembrava.
     Sensibilizado com tanta humildade, alguém lhe perguntou, respeitosamente: “Vovô, o senhor tem saudade de alguma coisa que deixou ficar na Terra”? E este respondeu: Minha cachimba, nego qué o pito que deixou no toco... Manda muréque buscá. Grande espanto tomou conta dos presentes. Era a primeira vez que algum espírito pedia alguma coisa de material, e a surpresa foi logo substituída pelo desejo de atender ao pedido do velhinho. Mas ninguém tinha um cachimbo para ceder-lhe.
     Na reunião seguinte, muitos pensaram no pedido, e uma porção de cachimbos dos mais diferentes tipos apareceu nas mãos dos freqüentadores da casa, incluindo alguns médiuns que haviam sido afastados de centros kardecistas, justamente porque haviam permitido a incorporação de índios, pobres ou pretos como aquele e que, solidários, buscavam na nova casa a Tenda Nossa Senhora da Piedade, a oportunidade que lhws fora negada em seus centros de origem. A alegria do velhinho em poder pitar novamente o seu cachimbo logo seria repetida, quando os outros médiuns já mencionados também passaram livremente a permitir a presença de seus Caboclos, de seus Pretos-Velhos e das demais entidades consideradas não doutas pelos kardecistas de então, pobres tolos preconceituosos que confundiam cultura com bondade.
     Desse fato surgiu um ponto de Preto-Velho muito cantado nos terreiros de Umbanda:
    
     Minha cachimba ta no toco
     Manda muréque buscá
     Minha cachimba ta no toco
     Manda muréque buscá
     No alto da derrubada
     Minha cachimba ficou lá
     No alto da derrubada
     Minha cachimba ficou lá.
  
     Foi dessa maneira que foi introduzido na “mesa” espírita o primeiro rito. Outros lhe seguiram, por exemplo, quando houve a informação de que  os índios tinham o hábito de fumar, pois foram eles quem primeiro descobriram as propriedades dessa planta que, enrolada em um enorme charuto, era usada coletivamente por todos os participantes de seus cultos religiosos, sendo dessa forma uma espécie de planta sagrada.
     Desde que haja moderação e cautela, negar o pito ao Preto-Velho seria hoje uma grande maldade. Entretanto, deve-se sempre ter em mente que o seu uso deve ater-se somente ao rito, evitando os abusos e as deturpações que testemunhamos constantemente, não raras vezes tocando as raias do absurdo e do escândalo, para desprestígio desta religião que nasceu sob o signo da Paz e do Amor.
     Atualmente, sabe-se que o uso do fumo pelas entidades incorporadas tem o efeito purificador, quando estas atendem algum consulente com problemas espirituais. A fumaça age como um desagregador de maus fluídos, atingindo o corpo astral dos espíritos obsessores. Além disso, a fumaça produzida pelos charutos e pelo fumo dos cachimbos cria um escudo de proteção para a aura do médium.
     Por extensão desses hábitos incorporados ao terreiro, passou-se a oferecer doces às crianças incorporadas. Contudo, o que é usual nesses casos, naturalmente influindo desta ou daquela forma nas demais incorporações, sempre tem o objetivo de tratar os espíritos incorporantes como velhos e queridos amigos a quem recebemos com grande satisfação.
     Com a “liberdade” trazida pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, as pessoas afugentadas da elitizada mesa kardecista passaram a freqüentar a nova religião. 

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